(Fernando Donasci Folha Imagem)
A repercussão acerca da tragédia em Santa Catarina pode ser acompanhada em diferentes veículos. O Estadão publicou no dia 3 de dezembro, no site, um especial com matérias em áudio feitas por repórteres enviados especialmente para o local. A rádio CBN informou, na manhã do dia 4 de dezembro, que as doações estavam suspensas devido à falta de local para armazenamento; entretanto, já foram novamente liberadas. Assim, no Diário do Grande ABC é possível conferir os locais aqui na região para onde elas podem ser encaminhadas.
É interessante também o alerta da Defesa Civil de Santa Catarina sobre possíveis golpes por meio de e-mails, uma vez que o assunto pode ser abordado com má-fé. Caso haja dúvidas, as indicações corretas estão acessíveis no site.
No último domingo (30 de novembro), no no suplemento Mais! do jornal Folha de S. Paulo foi publicado um artigo do professor Wagner Costa Ribeiro, que aproveitamos para reproduzir aqui no blog, na íntegra, em virtude da discussão sobre negligência.
+Sociedade
Tragédias de verão
Enchentes em Santa Catarina decorreram de negligência em vários níveis, mas autoridades sempre recorrem à desculpa da "fatalidade"
WAGNER COSTA RIBEIRO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Todo verão é a mesma coisa. Chuvas fortes geram desastres, quando não catástrofes, com grandes prejuízos materiais e, o pior, mortes. Muitas, como é o caso em Santa Catarina neste ano.
A banalização do risco é uma das características da sociedade contemporânea. Tem gente que nem se dá conta da presença dele. Quando o evento ocorre, parece ser uma novidade, algo inesperado, sobre o qual nada se poderia fazer. Tudo vira "fatalidade".O apelo à ciência é imediato.
Autoridades rapidamente sacam números para afirmar o exagerado volume de água que caiu sobre uma parcela do território brasileiro em curto período de tempo.
Meios técnicos
Ainda que ele esteja acima da média, não se pode argumentar que chuvas intensas sejam desconhecidas no país.
Na literatura técnica e científica encontram-se vários registros de eventos extremos como o que se abateu no Estado do Sul do Brasil, o que indica que é possível imaginar que possam ocorrer novamente.
Além disso, o país dispõe de meios técnicos para acompanhar o movimento de uma massa de ar e calcular quando chegará a uma determinada localidade com alguma precisão, o que confere alguma previsibilidade ao trágico acontecimento. A dimensão catastrófica que o problema assume decorre da presença de população em áreas de risco, o que remete necessariamente às ciências sociais e aplicadas.
Explicar por que pessoas moram ou instalam atividades produtivas em áreas que deveriam estar sem uso não é possível por meio das ciências da natureza. É preciso combinar aspectos sociais, históricos, culturais, geográficos, políticos, emocionais e econômicos para entender o povoamento de uma determinada localidade que gera risco.Encostas íngremes e várzeas são áreas de risco socioambiental. No primeiro caso, quando apresentam elevada declividade, não podem ser usadas para a instalação de habitações, ainda mais quando não cumprem os mínimos requisitos técnicos.
"Mar de lama"
O "mar de lama", expressão muito usada por parte da população afetada pela catástrofe que atingiu o país, resulta da saturação do solo -o qual, mais pesado do que em sua situação normal, simplesmente escorrega sobre a rocha que o sustenta, levando tudo aquilo que se encontra nele.
Trata-se de um movimento natural que não pode ser contido nem mesmo com barreiras artificiais, como as inserções de concreto armado ou teias de contenção, que, quando muito, o retardam.
O mesmo se pode escrever para áreas de expansão natural dos cursos d'água, as várzeas, que cumprem a função de receber fluxos intensos de água em períodos de elevada pluviosidade. As várzeas também não poderiam estar ocupadas com vias, estabelecimentos comerciais, prédios e residências das mais variadas ordens.Naturalmente um rio se espraia sobre a várzea e alaga essa área, que lhe pertence, ainda que, de acordo com o estatuto jurídico, ela tenha sido retalhada em lotes urbanos, dando a falsa idéia que a propriedade da área é de um citadino.
Com o argumento de proteger a propriedade, aqueles que ocuparam áreas que deveriam estar livres para acolher processos naturais sazonais apelam ao Estado, que passa a ser o culpado pela chuva forte e, principalmente, por não ter se antecipado e evitado prejuízos e mortes.
Ora, o Estado não pode controlar a chuva! A dinâmica que gera uma tempestade está longe de ser regulamentada por políticas públicas.
Porém, cabe ao Estado se antecipar e proteger a população de acontecimentos como os que ocorreram, mas cabe, antes de mais nada, impedir a ocupação de áreas de risco.No caso brasileiro, nos diversos níveis de governo, o Estado não cumpre nenhuma das duas funções a contento, salvo algumas exceções.
O que caberia ao Estado para evitar catástrofes?
Antes de mais nada, impedir a ocupação de áreas de risco.
Uma vez ocupadas, promover a remoção da população, ao menos nas situações mais graves, que podem ser levantadas em períodos de estiagem.
Depois, promover ações que acomodem os intensos fluxos esporádicos de água, como reter água nas cabeceiras ou nas várzeas (o piscinão é uma das alternativas técnicas, que também pode gerar dificuldades se não for monitorado), recuperar as matas ciliares e, nas cabeceiras, reintroduzir espécies originais em encostas íngremes, entre outras medidas técnicas.
Planos de prevenção
Mas a principal medida seria treinar a população para que deixasse suas casas e locais de trabalho em casos de situações-limite quando ocupam área de risco.
Para tal, é preciso estabelecer um plano de evacuação, que deve ser acionado desde que um evento extremo esteja confirmado por técnicos do Estado.
Eles devem informar a ocorrência antecipadamente a representantes da Defesa Civil das localidades a serem afetadas, que devem orientar o abandono da área, em uma ação combinada entre diversos níveis de governo.
Enquanto o risco for negligenciado ou, mais grave, omitido pelas autoridades públicas à população, só restará lamentar perdas humanas e materiais.
Porém, como alertou o sociólogo alemão Ulrich Beck há mais de dez anos, a sociedade de risco desenvolveu uma capacidade reflexiva sobre sua condição que pode levar a uma mudança de atitude.
No caso brasileiro, resta a esperança de que essa catástrofe gere ao menos mais reflexão e ações para evitar sua repetição nos próximos anos.
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WAGNER COSTA RIBEIRO leciona no departamento de geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, onde coordena o grupo de estudos de ciências ambientais do Instituto de Estudos Avançados. Escreveu "Geografia Política da Água" (ed. Annablume).
No último domingo (30 de novembro), no no suplemento Mais! do jornal Folha de S. Paulo foi publicado um artigo do professor Wagner Costa Ribeiro, que aproveitamos para reproduzir aqui no blog, na íntegra, em virtude da discussão sobre negligência.
+Sociedade
Tragédias de verão
Enchentes em Santa Catarina decorreram de negligência em vários níveis, mas autoridades sempre recorrem à desculpa da "fatalidade"
WAGNER COSTA RIBEIRO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Todo verão é a mesma coisa. Chuvas fortes geram desastres, quando não catástrofes, com grandes prejuízos materiais e, o pior, mortes. Muitas, como é o caso em Santa Catarina neste ano.
A banalização do risco é uma das características da sociedade contemporânea. Tem gente que nem se dá conta da presença dele. Quando o evento ocorre, parece ser uma novidade, algo inesperado, sobre o qual nada se poderia fazer. Tudo vira "fatalidade".O apelo à ciência é imediato.
Autoridades rapidamente sacam números para afirmar o exagerado volume de água que caiu sobre uma parcela do território brasileiro em curto período de tempo.
Meios técnicos
Ainda que ele esteja acima da média, não se pode argumentar que chuvas intensas sejam desconhecidas no país.
Na literatura técnica e científica encontram-se vários registros de eventos extremos como o que se abateu no Estado do Sul do Brasil, o que indica que é possível imaginar que possam ocorrer novamente.
Além disso, o país dispõe de meios técnicos para acompanhar o movimento de uma massa de ar e calcular quando chegará a uma determinada localidade com alguma precisão, o que confere alguma previsibilidade ao trágico acontecimento. A dimensão catastrófica que o problema assume decorre da presença de população em áreas de risco, o que remete necessariamente às ciências sociais e aplicadas.
Explicar por que pessoas moram ou instalam atividades produtivas em áreas que deveriam estar sem uso não é possível por meio das ciências da natureza. É preciso combinar aspectos sociais, históricos, culturais, geográficos, políticos, emocionais e econômicos para entender o povoamento de uma determinada localidade que gera risco.Encostas íngremes e várzeas são áreas de risco socioambiental. No primeiro caso, quando apresentam elevada declividade, não podem ser usadas para a instalação de habitações, ainda mais quando não cumprem os mínimos requisitos técnicos.
"Mar de lama"
O "mar de lama", expressão muito usada por parte da população afetada pela catástrofe que atingiu o país, resulta da saturação do solo -o qual, mais pesado do que em sua situação normal, simplesmente escorrega sobre a rocha que o sustenta, levando tudo aquilo que se encontra nele.
Trata-se de um movimento natural que não pode ser contido nem mesmo com barreiras artificiais, como as inserções de concreto armado ou teias de contenção, que, quando muito, o retardam.
O mesmo se pode escrever para áreas de expansão natural dos cursos d'água, as várzeas, que cumprem a função de receber fluxos intensos de água em períodos de elevada pluviosidade. As várzeas também não poderiam estar ocupadas com vias, estabelecimentos comerciais, prédios e residências das mais variadas ordens.Naturalmente um rio se espraia sobre a várzea e alaga essa área, que lhe pertence, ainda que, de acordo com o estatuto jurídico, ela tenha sido retalhada em lotes urbanos, dando a falsa idéia que a propriedade da área é de um citadino.
Com o argumento de proteger a propriedade, aqueles que ocuparam áreas que deveriam estar livres para acolher processos naturais sazonais apelam ao Estado, que passa a ser o culpado pela chuva forte e, principalmente, por não ter se antecipado e evitado prejuízos e mortes.
Ora, o Estado não pode controlar a chuva! A dinâmica que gera uma tempestade está longe de ser regulamentada por políticas públicas.
Porém, cabe ao Estado se antecipar e proteger a população de acontecimentos como os que ocorreram, mas cabe, antes de mais nada, impedir a ocupação de áreas de risco.No caso brasileiro, nos diversos níveis de governo, o Estado não cumpre nenhuma das duas funções a contento, salvo algumas exceções.
O que caberia ao Estado para evitar catástrofes?
Antes de mais nada, impedir a ocupação de áreas de risco.
Uma vez ocupadas, promover a remoção da população, ao menos nas situações mais graves, que podem ser levantadas em períodos de estiagem.
Depois, promover ações que acomodem os intensos fluxos esporádicos de água, como reter água nas cabeceiras ou nas várzeas (o piscinão é uma das alternativas técnicas, que também pode gerar dificuldades se não for monitorado), recuperar as matas ciliares e, nas cabeceiras, reintroduzir espécies originais em encostas íngremes, entre outras medidas técnicas.
Planos de prevenção
Mas a principal medida seria treinar a população para que deixasse suas casas e locais de trabalho em casos de situações-limite quando ocupam área de risco.
Para tal, é preciso estabelecer um plano de evacuação, que deve ser acionado desde que um evento extremo esteja confirmado por técnicos do Estado.
Eles devem informar a ocorrência antecipadamente a representantes da Defesa Civil das localidades a serem afetadas, que devem orientar o abandono da área, em uma ação combinada entre diversos níveis de governo.
Enquanto o risco for negligenciado ou, mais grave, omitido pelas autoridades públicas à população, só restará lamentar perdas humanas e materiais.
Porém, como alertou o sociólogo alemão Ulrich Beck há mais de dez anos, a sociedade de risco desenvolveu uma capacidade reflexiva sobre sua condição que pode levar a uma mudança de atitude.
No caso brasileiro, resta a esperança de que essa catástrofe gere ao menos mais reflexão e ações para evitar sua repetição nos próximos anos.
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WAGNER COSTA RIBEIRO leciona no departamento de geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, onde coordena o grupo de estudos de ciências ambientais do Instituto de Estudos Avançados. Escreveu "Geografia Política da Água" (ed. Annablume).